
LITURGIAS DO ÊXTASE
"O negro, sem dúvida, não se abandona à introspecção como uma Santa Tereza para nos descrever as diversas moradas de seu "castelo interior". Ele, contudo, possui outra linguagem, que lhe permite exprimir a riqueza ou a complexidade de sua alma anelante entre os braços dos deuses: é a linguagem dos gestos." BASTIDE, Roger. O sonho, o transe e a loucura.
“É preciso ser testemunha dos gestos, das contorções, das feições, dos movimentos desordenados e violentos a que se entregam os negros em suas danças sagradas, durante horas consecutivas, durante dias e noites. É preciso tê-los visto inundados de suor, que a mão dos companheiros ou dos designados para esse fim seca a cada instante com grandes toalhas; é preciso havê-los visto assim, com os vestidos empapados em suor, bailar, bailar de novo, bailar sempre, para ter uma ideia do que pode ser este exercício extenuante de comunicação; para conhecer seu poder, que, longe de abatê-los, excita-os mais e mais.” ORTIZ, Fernando. Los negros brujos. [tradução livre]




A partir destas duas referências, a série Liturgias do Êxtase retrata um corpo-discurso feminino e negro, atravessado por memórias e simbologias ancestrais, em seu processo de manifestação e atualização dos gestos, enquanto linguagem, prática de comunicação, autoexpressão, de conexão com o passado, consigo e com o invisível.
É importante destacar que as comunidades pré-coloniais ameríndias e africanas, não privilegiavam tipos linguagens específicos, como o fez o colonizador europeu em relação a escrita e a visão.
Ao contrário, os não-brancos, utilizavam indistintamente os sentidos e todo o corpo para esta finalidade.

Liturgias do êxtase resgata esta cosmopercepção pré-colonial; ilimitada, ao tentar narrar visualmente o vórtice impalpável de signos manifestos através do corpo-conexão.
Para tanto serve-se de técnica e estética fluida, etérea e quase incorpórea na construção das imagens que a compõe.
